Dois
mil e treze ficará tristemente marcado para os fãs de literatura de
imaginação como o ano do falecimento de um dos mais versáteis
autores de ficção científica, fantasia e horror de todos os tempos - se é que cabe tristeza pelo fim inevitável de uma vida que foi
tão longa e produtiva. Richard Matheson, norte-americano filho de
noruegueses, nascido em 1926, teve uma prolífica e variada carreira
que durou mais de 60 anos, sobressaindo em todos os três gêneros.
Muita gente provavelmente já se empolgou e "viajou" com
suas criações sem saber: Matheson foi o autor do romance Em
Algum Lugar do Passado,
publicado originalmente em 1975 e levado às telas com enorme sucesso
cinco anos depois, com Christopher "Superman" Reeve no papel do
homem que viaja no tempo para encontrar uma mulher que viveu no
início do século e por quem apaixonou-se por meio de uma
fotografia. Também são obra sua os roteiros de alguns dos melhores
episódios da série clássica de Jornada
nas Estrelas,
incluindo o antológico O
Inimigo Interior.
Matheson foi ainda um dos principais responsáveis pela série
original de Além
da Imaginação,
e, como se tudo isso fosse pouco, também escreveu Eu
Sou a Lenda,
um dos mais impressionantes romances do hoje popular subgênero
pós-apocalíptico de ficção científica, filmado nada menos que
três vezes, a última em 2007, com Will Smith como protagonista.
Uma
boa dimensão da polivalência de Matheson é dada pelo fato de que
as mocinhas sonhadoras que lotavam salas de cinema no início da
década de 80 para suspirar assistindo a Em
Algum Lugar do Passado
provavelmente teriam um treco ante a simples ideia de ler este A
Casa Infernal
(1971), ou mesmo de ver o filme baseado nele (1973). Seguindo a
tradição de A
Queda da Casa de Usher,
do imortal Edgar Allan Poe - que será para sempre um parâmetro
para todas as histórias de casas assombradas -, Matheson conseguiu
dar ao tema um tratamento moderno, que inclui insights
científicos e psicológicos, além de uma certa dose de erotismo
sinistro, resultando num romance arrepiante, que agradará em cheio
aos apreciadores de boas histórias de horror.
O
livro começa pouco antes do Natal de 1970. O magnata da imprensa
Rolf Deutsch, já velho e com a saúde abalada, contrata o Dr. Lionel
Barrett, um físico que por mais de 20 anos dedicou-se a pesquisas
parapsicológicas, para tentar desvendar os mistérios da Mansão
Belasco (popularmente conhecida como a "Casa Infernal"), onde
outrora viveu o milionário Emeric Belasco, famoso por promover em
sua casa espantosas orgias nas quais todo tipo de comportamento
aberrante era não só tolerado como estimulado. Inúmeras pessoas
morreram na casa durante esses horripilantes divertimentos, que só
terminaram quando o próprio Belasco desapareceu. Desde então, a
casa é considerada assombrada, e, no momento em que Barrett recebe a
incumbência, tem estado desabitada há cerca de duas décadas.
Embora Deutsch não o diga, Barrett percebe que o que o velho e rico
homem deseja é uma resposta para a eterna questão da vida após a
morte - questão essa que provavelmente cresceu em importância aos
seus olhos, agora que ele sabe que seu próprio fim está próximo.
Há um detalhe que Stephen King - por sinal, um fã de carteirinha
de Matheson - consideraria auspicioso: a mansão fica no Maine,
estado onde ele próprio nasceu, mora e ambienta quase todas as suas
histórias.
Barrett
não irá sozinho: sua esposa e eventual assistente, Edith, insiste
em acompanhá-lo, e, além disso, Deutsch também contratou os
médiuns Florence Tanner e Benjamin Franklin Fischer; ela, uma
ex-atriz que agora é ministra de uma pequena igreja espiritualista,
ele, o único sobrevivente de uma expedição anterior à Casa
Infernal, trinta anos antes. O quarteto não poderia ser mais
heterogêneo. Barrett é um cético empedernido, que não acredita em
fantasmas ou assombrações, e, embora não descarte totalmente a
possibilidade da existência de vida depois da morte, é da opinião
que um verdadeiro cientista não deve apoiar-se nessa crença em sua
busca por respostas. Para ele, todos os fenômenos ditos "inexplicáveis" da Casa Belasco têm uma única explicação:
desordens no campo eletromagnético do local, um problema que ele
está certo de poder resolver utilizando uma máquina de sua própria
invenção. Edith é uma mulher insegura e instável, tão dependente
emocionalmente do marido, que entra em pânico com a perspectiva de
ficar longe dele, por uma hora que seja. Florence, além de atraente,
é emotiva e idealista, firmemente determinada a pôr fim à maldição
da casa por meio do amor, levando libertação aos espíritos
atormentados ali aprisionados. Fischer, por fim, é o personagem mais
enigmático. Já foi considerado um dos mais poderosos médiuns do
mundo, razão pela qual foi incluído na missão anterior, apesar de,
na época, não passar de um adolescente. As horríveis experiências
que viveu naquela casa fizeram com que se afastasse da
parapsicologia, mas, apesar disso, continua com seus poderes
intactos.
Os
primeiros dias na casa correm em relativa tranquilidade, embora
fenômenos inquietantes não deixem de acontecer; cada membro da
missão começa a agir à sua própria maneira. Enquanto Barrett
colhe dados científicos e aguarda a entrega de sua máquina,
Florence começa a interagir ativamente com as forças espirituais em
ação na casa, acreditando, inclusive, haver feito contato com o
fantasma de Daniel Belasco, o suposto filho do antigo dono da casa,
cuja própria existência é duvidosa, já que não há registros de
seu nascimento. A compaixão que sente pelo espírito do rapaz e
pelas demais almas aprisionadas na casa pode acabar sendo sua ruína,
como Fischer não deixa de adverti-la, mas sua sincera piedade
religiosa leva-a a insistir, mesmo à custa da própria segurança.
Quanto a Fischer, ele não esconde o fato de que tudo o que pretende
é ficar na casa até o final da semana que foi o prazo dado por
Deutsch e então embolsar o polpudo pagamento prometido pelo velho:
mantém sua mente fechada a influências ou contatos, recusando-se a
correr o risco de reviver o que passou na juventude naquele mesmo
local. As descrições dos fenômenos paranormais são vívidas e
perturbadoras, e uma atmosfera de paranoia permeia a narrativa à
medida em que as entidades sobrenaturais presentes na casa começam a
agir - ora sutis, ora brutais, mas sempre traiçoeiras. Além de
tudo isso, há uma tensão permanente entre Florence e o Dr. Barrett,
que entram em atrito com frequência, ela achando que ele se recusa a
ver o que está diante de seus olhos para não ter que admitir que
suas teorias podem precisar ser revistas, enquanto ele acredita que
ela se utilize, talvez inconscientemente, de suas habilidades
mediúnicas para manipular as energias da casa a fim de fornecer
aparentes provas que apoiem suas convicções.
Richard
Matheson era um mestre em criar atmosfera: suas descrições levam o
leitor a mergulhar de fato nas sensações que o autor deseja
transmitir, seja a admiração pela grandiosidade e magnificência da
mansão - imensa, de arquitetura maravilhosa, e repleta de obras de
arte -, seja o medo gelado que parece espreitar os heróis por
detrás de cada coluna esculpida e de cada móvel antigo. Se falta
algo, talvez seja um personagem realmente carismático: eu, pelo
menos, não consegui me identificar muito com nenhum deles. O Dr.
Barrett, durante a maior parte do tempo, é irritante com seu
ceticismo, enquanto Florence torna-se piegas com seu excesso de
emotividade e sua doçura enjoativa -, dois personagens
estereotipados, enfim. Talvez o mais interessante seja Fischer, mas
sua persistente atitude de ficar à margem dos acontecimentos impede
que se pense nele como um protagonista no verdadeiro sentido do
termo. Curiosamente, é com Edith - a personagem à primeira vista
menos importante, e que, a rigor, nem precisaria estar ali - que o
livro consegue ter o seu quantum
satis
de profundidade psicológica, pois a esposa de Barrett é uma pessoa
complicada, cem por cento devotada ao marido, mas perturbada por
traumas de infância e por uma sexualidade reprimida, o que faz dela
um alvo perfeito para as forças sinistras que ocupam a Mansão
Belasco. O desfecho é como teria que ser numa história assim - surpreendente -, mas seus detalhes parecem um tanto incompatíveis
com o que havia sido dito antes sobre Emeric Belasco.
A
Casa Infernal
não é perfeito, mas é sem dúvida um ótimo livro - e "ótimo"
é provavelmente o adjetivo que se pode aplicar às menos inspiradas
dentre as obras de Matheson. Prende com sua narrativa e possui as
doses certas de suspense e de sustos, de modo que nenhum apreciador
de terror haverá de dar por perdido o tempo que dedicar à sua
leitura.